QUAL O LUTO POSSÍVEL?

Inevitavelmente, na nossa experiência humana, a perda ocorre. Somos seres fadados a perder partes de nós enquanto por aqui estivermos. A dor de perder, ou a dor de amar o que se perde, é o luto.

Essa é uma experiência que por mais comum que seja, que muitos de nós estejamos vivendo ao mesmo tempo, ainda assim ela é completamente solitária. Há pouco que o outro possa dizer ou fazer que alivie a dor de perder parte de si.
O luto não é vivido só na perda de alguém que se ama, ele é também a perda de um objeto, de um emprego, de um sentido ou de uma função. O tamanho da dor que sentimos fala do investimento de amor que fazíamos nesse objeto perdido.
Um autor da psicanálise, Nasio, diz que quando eu amo alguém, esta pessoa deixa de ser algo externo a mim e passa a ser parte do meu psiquismo. Perder alguém, nessa lógica é perder parte de si mesmo. É criar um furo na fantasia que construímos sobre a realidade, criação esta que fazemos no intuito de elaborar um senso de continuidade e estabilidade no caos que o mundo pode ser.

O luto se sente quando olhamos para o vazio que fica. Ele é uma dor física e mental, é como um desinvestimento no mundo. Pode soar revoltante ou estranho ao enlutado que todas as outras pessoas sigam suas rotinas, trabalhos e afazeres sendo que para ele, o mundo acaba de perder parte do seu sentido. É comum se ver enraivecido, frustrado e magoado com a morte, por ter escolhido justo a mim, ou a quem amo. Isso é parte do luto. Esta dor está fortemente associada à lembrança do que foi perdido, e no começo tende a ser forte e intensa, mas com o passar do tempo vai diminuindo. Não porque deixamos de amar o objeto perdido, mas porque aprendemos a amá-lo sem o estímulo de sua presença.

O processo do luto precisa ser vivido. Cada lágrima derramada é uma homenagem ao ente perdido, que ajuda a contornar o vazio que ficou na realidade, e não preenchê-lo, veja bem, mas associá-lo a este novo mundo em que algo falta.
É como cruzar um portal pelo qual nunca mais voltamos e no qual outra realidade existe. Viver após a perda exige um esforço.

O luto patológico se dá quando após um longo período ainda fantasiamos a pessoa perdida como se estivesse ali, quando não olhamos para esse vazio que ficou ou quando não aprendemos a amar outras coisas para além da perda. Ele é uma defesa, uma tentativa angustiada de manter as coisas como estão, de não alterar a realidade, e tende a ser vivido a um custo alto para o sujeito.
Mas como julgar aquele que sente a dor?

Essa é a conexão possível para o luto do outro. É saber que todos perdemos, que esta experiência, por mais solitária e intensa que possa ser, é algo que todos vão passar (na melhor das hipóteses) durante seu tempo aqui neste mundo.
A finitude da vida é uma angústia que nosso psiquismo se esforça em esquecer. É isso que nos faz acordar todos os dias e viver nossas vidas.

No entanto, é justamente a brevidade da vida que nos permite viver tão intensamente esta experiência, é graças aos fins que novos começos são possíveis, que alegria e tristezas podem ser sentidas e que as cores que compõem a nossa existência são criadas. A perda é o preço de amar, e pelo amor podemos dar sentido a uma vida.

Assim sendo, é justamente estar ciente do fim que nos permite desfrutar com mais atenção o agora e a forma como ele se apresenta. É saber-se igualmente finito a todos que nos liberta de hierarquias desnecessárias e de pesos que inventamos pelo medo de não saber viver.

É morrer que nos permite sermos gratos pela vida.

LUTO