PODE ENTRAR, SÓ NÃO BAGUNÇA O REPARO

Nossa tão deselegante fala à visita, pedindo para que não se repare à bagunça, até então quase sempre não percebida. Você não acha isso tão paradoxal? Pedir para não observar aquilo que ainda não foi percebido. Vai saber não é tão paradoxal assim né? Afinal, quase sempre é o Outro (ou por causa dele) que nossas bagunças vêm à luz.

Desta vez e eu não prometo que seja a última, proponho uma inversão da tão deselegante súplica tipicamente brasileira e assim mantenho de pé o convite.

Pode entrar, só não bagunça o reparo.

Não que seja necessário justificar, mas como bom brasileiro prefiro sair em minha defesa e assim contar o que penso sobre o reparo, de que já foi um dia uma bagunça com sentido. O reparo pode ser também as várias formas de elaboração e/ou cicatrização das dores, feridas, perdas e partidas.

Penso também que o processo de reparo são estratégias humanas, artísticas, espirituais e psíquicas de atravessamento das adversidades que não somos capazes de nomear. Por isso, acredito que não seja prudente bagunçar o reparo, seja o próprio ou do outro.

Não vejo o reparo como busca pela normalidade ou como intervalo entre dor e alívio, ordem e desordem, ferida e cicatriz, doença e cura. Vejo como um estado em si, onde a pessoa pode permanecer o tempo que for necessário ou suficiente para retornar não à normalidade, mas quem sabe retornar a reparar outras bagunças por aí, se não as próprias.

Você tem reparado bagunças ou bagunçado reparos?

 

ANDRÉ VERIDIANO CRP12/15985